Acervo Musical Afonso Prates da Silva

Acervo Musical Afonso Prates da Silva

sábado, 26 de abril de 2014

A SENTENÇA DO SÉCULO

O texto abaixo foi postado na íntegra, retirado dos arquivos do Instituto Histórico da Bahia. Dedico este artigo a minha querida prima Sandra Q. Silva, futura causídica, para que lembre sempre, nas suas futuras petições.

Consta nos arquivos do Instituto Histórico da Bahia uma curiosa petição datada de 1834, em que um cidadão denunciou outro que molestou sua esposa com uma pancada no baixo ventre, “entre o umbigo e aquela parte mimosa”, deixando à mostra as “partes pudendas” que só competiria ao marido ver, como “cousa de sua propriedade”.

“Ilmo. Snr. Juiz de Paz
Diz José Soares da Cunha, morador no Mirim, fazenda de Santa Anna de Villa Nova, que sendo casado com Anna do Rosario em face de Igreja no anno do Imperio Constitucional de 1833, à vista de Deus e de todo o mundo por sinal que foram testemunhas e padrinhos Antonio da Rocha e Joaquim de Avelar, sucedeu que no dia 2 de Fevereiro do corrente anno constitucional de 1834, pelas 8 ou 9 horas da noite, ou as que na verdade eram, pois alli ninguem tem relogio certo senão Manoel Teixeira da Silva e o compadre Manoel da Silva tem outro que trocou por uma égua que não regula, o supplicante e mais moradores se regulam pelo sol, que quando está claro regula certo, indo a dita mulher muito quieta fiar algodão em casa de sua vizinha Gertrudes , viuva de Manoel Correa, cuja viuva é muito capaz, e não ha que se lhe diga, excepto de ser decente só se for alguma dessas desavergonhadas quatro linguarudas ciganas que tem muito nesta freguezia, do que se fôr preciso o supplicante denunciará para lhes cahir em cima todos os códigos e Policia do Imperio, e não lhes valerá empenhos nem padrinhos, nem rebulices das ordenações, porque graças a Deus já estão abolidas as replicas e treplicas, lhe sahiu repentinamente na estrada, junto ao corrego, o desaforado José Bento, filho de Joaquim Bento, que se o Snr. Juiz de Paz soubesse cumprir com as suas obrigações, fazia prendel-o, autoal-o e posto em angola de repente arrumou uma forte e tremenda umbigada na mulher do supplicante que logo derrubou e ficou sem sentido com as partes pudendas ã mostra e lhe cuspiu em cima… cujas partes só o supplicante compete ver como cousa de sua propriedade e que recebeu até a morte, e como chorasse e gritasse, accudiu a viuva Mariana que lhe deu fricções de arruda e benzeu para com muito custo ficar boa, ao supplicante não requereu logo corpo de delito por ser a pancada no baixo ventre entre o umbigo e aquella parte mimosa, da Geração que só o supplicante e a parteira podiam ver, logo que o tal réo fez a maldade, fugiu e ainda dizendo que foi brincadeira.
E porque a umbigada foi de má tenção e rixa muito velha para experimentar se a mulher do supplicante se deixava ficar como pata para elle galar, porem vae galar para o inferno, pois a mulher do supplicante não é dessas vadias e sim virgem e honrada que só tem matrimoniado com o supplicante apesar de ter sido muitas vezes namorada e seduzida por pessoas de caracter e de farda agaloada, prometendo-lhes patacões e cordões de ouro, porem ella sempre firme e contente sem fazer caso disso, pois bem sabe que o supplicante tem atraz da porta uma grande cotia, com que lhe havia de ir ao lombo, e por isso o supplicante por cabeça de sua mulher quer hoje fazer citar o tal réo José Bento, para vir jurar as testemunhas que o supplicante apresentar do desacato, do desaforo da brutal umbigada que arrumou na mulher do suplicante, que foi por felicidade della não estar pejada, senão eram duas mortes (porque) esta abortava, e logo que o supplicante provar, ser o réo logo julgado pelos Snrs. Deputados jurados que se acham aggredidos na Laguna e pelo Snr. Juiz de Direito afim de ser degradado para Lajes, como galés e seja acompanhado com escolatas de permanentes que pelo caminho lhe vão dando umbigadas com cipó bem curtidos.
O supplicante espera que o Snr. Juiz de Paz desagravará sua honra atrozmente ultrajada por um bigorrilhas sem educação.
(a) José Soares da Cunha
Mirim da Laguna, 28 de Março de 1834.”
(Fonte: Alberto Romero, “O Assunto é Jornal”, Editora Ouvidor, Rio de Janeiro; Antonio Chaves, Lições de Direito Civil, Parte Geral, vol. 3, Editora Bushatski, São Paulo, 1972; apud Leib Soibelman, Enciclopédia do Advogado, Editora Rio, p. 672)


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